covidegeresTravessia Covide a Caldas do Gerês

  • Travessia entre Covide e Caldas do Gerês, um trilho digno de reis
  • O parque nacional Peneda-Gerês é o local perfeito para passar um dia de sábado ativo, húmido, frio e quente. Em poucas horas percorremos as quatros estações. Com os amigos ou na companhia de novos amigos, tudo isto faz bem ao corpo e a alma. Andar é o comportamento mais básico do ser humano e contrariando o velho ditado “parar é morrer” partimos para mais uma aventura. Apelidada por muitos como a jóia do norte, buscamos nas suas entranhas o conhecimento e a felicidade nas pequenas coisas. O Gerês sempre simbolizou a harmonia entre o Homem e a natureza, numa partilha permanente de atividades e sentimentos, das gentes aliada à Natureza das inóspitas montanhas de granito moldadas pelo tempo. As águas correm cristalinas pelos ribeiros e o ar puro envolve a grande diversidade da fauna e da flora proporcionando um movimento contínuo de calma e prazer. ANDAR a pé faz bem, em todos os sentidos: físico, emocional e cultural. Partimos a descoberta desse amontoado de pedras que faz parte do trilho da cidade da Calcedónia.
  • Neste trilho, o nosso objetivo foi ligar Covide às termas do Gerês (Caldas do Gerês). Desta forma dois trilhos, o PR1 - cidade da Calcedónia e PR6 – trilho dos miradouros, ambos da Terras do Bouro, foram ligados por caminhos existentes na montanha.
  • Durante a viagem já nas imediações de Covide, atenção era para os amontoados de pedras que sobressai do cume do monte e que seria um desses comes que era apelidado de Fenda da calcedónia. O seu domínio era espantoso e a nossa pequenez insignificante. Os comentários surgiram uns atrás dos outros, com espanto para uns com receio de não serem capazes de atingir o objetivo para outros. Mas de uma coisa todos comungavam era a quantidade imensa de penedos ali existentes.
  • O autocarro com os seus 53 destemidos e aventureiros chegou ao ponto de encontro, onde já se encontravam os restantes caminheiros que se deslocaram de carro, preenchendo os 65 aventureiros. Depois de deixar para trás o restaurante "Turismo" que nos acolheu no início, iniciamos o ataque a cidade da Calcedónia.
  • O Tempo, esse que nos atraiçoa os sentidos e volta e meia, dá-nos a volta, brindou-nos com todos os tipos de estados: chuva, granizo, frio, vento e sol. Quando iniciamos propriamente o nosso trilho fomos brindados com uma pequena amostra de chuva, não por muito tempo, é certo que isto tinha sido um teste para nos pôr a prova ou quem sabe, mostrar o nosso lado mais fashion. Não tardou, a paisagem a ficar salpicada de cores pouco habituais ao local.
  • A saída de Covide, depois de deixar a N307, embrenhamo-nos num caminho largo ladeado por terras de cultivo, e lentamente nos afastamos do aglomerado urbano e seguimos para o monte. Neste caminho encontramos por duas vezes indicações da Geira romana.
  • Ouço uma voz muito tenue que chama por mim.
  • Rodo a cabeça e não vejo nada.
  • - Olá.
  • Olho de esguelha e sobre o meu ombro, eu vejo um pequeno ser cintilante.
  • - Quem és tu? Não te conheço.
  • - Sou a Dana. Sou a Deusa-Fada que segundo a tradição celta ajudo os viajantes, e assim como tu viajas vou acompanhar na tua viagem. Também sou conhecida como Danu, a maior Deusa Mãe da mitologia celta. O nome "Dan", significa conhecimento. Estou aqui para te dar respostas as tuas perguntas e revelar-te alguns segredos. Agrada-me falar da geira ou Via Nova. Quando as legiões romanas alcançaram pela primeira vez as terras do noroeste da Hispânia no ano 173 a.C. alguns anos depois o general Décio Junio Bruto, ultrapassou o Douro, e atingiu o Rio Minho ocupando este território. Com a conquista romana deste território rasgou-se sólidas vias que atravessavam as montanhas, riscaram-se os primeiros cadastros, a exploração dos recursos mineiros intensificou-se e acentuou-se a primeira uniformização política da região sob o domínio imperial. Todo este território é, a partir do século I d.C. integrado na província romana da Calaecia, com capital em Bracara Augusta (Braga). Mas foram necessários, mais de um século para pacificar os aguerridos e irredutíveis Galaicos, bem defendidos pelas muralhas dos seus castros, que pertenciam ao meu povo: os celtas.
  • Hoje, essas vias que o povo invasor criou deram o nome de Geira romana, ou via XVIII como lhe chamou Antonino no seu itinerário. Ficou nos dias de hoje como um dos mais relevantes monumentos, quer pela conservação do seu traçado sinuoso quer pelo número e qualidade dos seus miliários epigrafados. A via XVIII, é a via romana melhor preservada em Portugal e - caso único no mundo - conta com 250 miliários ao longo do seu percurso desde Bracara Augusta (Braga) até Asturica Augusta (Astorga/Espanha). Atravessa a serra do Gerês e penetra em Espanha pela Portela do Homem. O percurso único, o mais monumental complexo arqueológico romano localizado no parque Nacional da Peneda - Gerês (PNPG), mantêm os seus 30Km quase intactos, com as suas pontes, muros, casas e dezenas de marcos milenários a assinalar as várias milhas (integradas no PNPG estão as milhas XXVII a XXXIV), muitos dos quais epigrafados com inscrições datáveis entre o final do século I e o século IV d.C. que perpetuam a memória de governadores e imperadores. As características da estrada romana, “Geira”, aliando uma construção sólida a um traçado harmonioso, e o facto de ser durante séculos a melhor e talvez única via que atravessava a Serra do Gerês, tornando-se uma rota quase mítica para os povos da região, que a foram restaurando e a utilizaram praticamente até ao nosso século.
  • - Mas, como sabes tu isto tudo?
  • - Porque, sou uma fada e as fadas são intemporais.
  • Deixando para trás o nosso passado romano avançamos no terreno. Começava-se a ouvir a respiração ofegante de alguns aventureiros menos treinados ou mais calejados pelo passar dos anos. Uma coisa é certa, havia muitas caras novas. Talvez atraídos pelo nome sonante do único parque nacional ou simplesmente por curiosidade. Por uma ou por outra razão estavam lá e isso já é um bom motivo para festejar.
  • Saímos do espaço mais humanizado e entramos na verdadeira rota com um trilho muito técnico e em direção ao céu. Olhar em frente, pode não ser a melhor opção, pois o trilho trepa encosta acima e desanima qualquer um.
  • Estamos agora junto ao ribeiro do Freitas a cota de aproximadamente 545 metros, em fila, preparamo-nos para passar uma pequena ponte sobre o ribeiro e a nossa esquerda mais afastado a água precipita-se encosta abaixo para se juntar ao caudal do ribeiro maior e deixar um véu branco sobre a rocha nua.
  • Muito bem delineado na paisagem, o trilho agora é constituído por uma forte ascendente. Lajeado por pedras irregulares de granito que presta a paisagem uma beleza inconfundível. De onde em onde, blocos de formas antropomórficas vigiam a nossa passagem. Mantém-se inerte como se estivessem alheios a toda esta algazarra de fim de semana. Uma paragem aqui outra acolá, vai dando para recuperar o folgo e as forças. A subida continuava, agora mais suave. O céu enegrecia e tornava-se mais ameaçador. Era inevitável a qualquer momento uma chuvada. As nuvens mais baixas envolviam-nos como arautos anunciar o que já esperávamos.
  • Tínhamos já percorrido aproximadamente uns bons 50 minutos e estávamos a uma cota de aproximadamente 770 metros quando os aguaceiros caiam com mais força sobre as nossas cabeças. Depois de termos percorrido cerca de 2250 metros e trepado uns bons 225 metros surge o penedo do abrigo. Um bloco de granito descomunal que surge no nosso caminho e que em boa hora serviu de abrigo por cerca de 12 minutos. Não abrigou a totalidade dos caminheiros, mas muito próximo dos cinquenta, uma vez que o grupo estava bastante fragmentado e esta paragem serviu para reagrupar o grupo.
  • De onde surgiu estes blocos de granito, que parece estar no local errado?
  • A fada sai debaixo da gola do meu casaco e diz:
  • -Para responder a estas e outras questões há necessidade de recuar no tempo. Há muito, muito tempo atrás, toda esta paisagem esteve sob o domínio do frio muito intenso e de formação de gelo permanente. Os terrenos mantinham-se gelados e eram erodidos em consequência da existência e da alternância entre períodos de gelo e períodos de degelo. As épocas de clima frio receberam o nome de “glaciações” e as épocas mais amenas de “interglaciários”. Os vestígios existentes na península ibérica são do período da última glaciação. O período de glaciações mais conhecido situa-se no Quaternário. Por este motivo é que vemos os grandes blocos de granito em locais fora do normal ou mesmo impensáveis.
  • -Sabes a quantos anos é que estas marcas foram deixadas? Há cerca de 20 a 18 mil anos foi quando a geologia do parque foi formada. O parque está repleto de marcas deixadas pela última glaciação: circos glaciares, moreias, blocos erráticos e rochas aborregadas, entre outros. Durante esse período, as áreas mais elevadas das serras do Gerês, Amarela, do Soajo e da Peneda estiveram cobertas por calotas de gelo que deixaram vestígios. Com destaque para os circos glaciários do Coucelinho e da Corga da Lamalonga, nos Carris, para as lagoas glaciárias do Coucelinho, e ainda para os vales glaciários com perfis transversais em “U”, como os do alto Vez e do curso superior do Homem. Esta é uma síntese da formação geológica do PNPG ou daquilo que se pode ver.
  • - É tão fácil ter-te aqui como guia. Mas, temos que continuar.
  • O nosso trilho não terminava aqui, ainda havia muito para calcorrear. Depois de deixarmos o rochedo de abrigo, entramos numa zona de rocha escorregadia, o que obrigava a redobrada atenção. Chegamos ao alto sobranceiro a encosta que dava para a estrada N307, a qual horas antes tínhamos percorrido, e da qual admirávamos a plenitude do monte que agora percorríamos. Aqui podíamos ver uma vez mais na rocha nua, a influência da última glaciação. A nossa frente cresce o horizonte de onde se destaca a aldeia de Covide e escondido do olhar o vale glaciar do Vez. Mas o que mais chamava atenção era o céu, carregado de negro que se mesclava com o céu azul e nuvens brancas.
  • Continuamos o nosso trilho cheio de acidentes orográficos e que de onde em onde os rochedos faziam de passagens subterrâneas. As fotos são sempre bem-vindas nestas ocasiões, para serem recordadas nos momentos de nostalgia.
  • Contornamos um sem número de rochedos abaulados e seguimos por troços que a água da chuva deixou marcas. O terreno nivela-se e uma vez mais as figuras antropomórficas e zoomórficas estão presentes nos cimos dos rochedos. Contornámos os penedos e já o grupo da frente tinham parado para almoçar. Dispersos pela paisagem, ao fim de cerca de 90 minutos de marcha almoçamos. Encontrávamo-nos a cota de 810 metros e já tínhamos percorrido 3300 metros. O almoço não foi demorado cerca de 30 minutos, foi o tempo suficiente para almoço e quando começou novamente os primeiros chuviscos já estávamos a caminho.
  • Avançamos pelo terreno era agora mais plano, e isso levava ao aumento do passo. Passamos o desvio que nos levava a fenda, e regressamos ao ponto do desvio. Aqui a preocupação era quem vai fazer a fenda e quem fica. Surge uma segunda hipótese de irem até a entrada da fenda e regressar pelo mesmo caminho. Ao que me deu a entender todos quiseram ir a fenda.
  • É neste momento que se dá o ponto alto desta caminhada: a fenda da Calcedónia.
  • Aproximação a fenda faz-se por rochedos enormes cobertos de musgo e rodeados por uma vegetação rica, que se esconde dos olhares que a coibição. O que é certo é que este acesso difícil diga de passagem, convenceu todo que valeu a pena este pequeno desvio. A paisagem é totalmente diferente, e predomina os afloramentos rochosos e imponentes blocos erráticos de granito. Qual é o porquê de um amontoado de pedras atrair tanta gente ao local? E qual é o seu segredo, se é que o há? Passamos por rochas que parecem nos querem esmagar, saltamos rochedos em câmara lenta, foi fantástico. As fotos, ficaram magníficas. Os musgos salpicados por pequenas flores rosa, dão encantam a paisagem. Talvez quem sabe se não exista também fadas encantadas por estas bandas?
  • Depois das mil e uma peripécias para chegar a entrada da fenda, surge outro pequeno problema: por onde se entra? Não era novidade para mim e alguns dos caminheiros que já tínhamos feito a fenda, havia dificuldade a entrar, é só uma questão de ginastica.
  • Todos estavam a postos para entrar. Entra o primeiro, o segundo e parece que tudo corre mal. O piso está muito escorregadio, húmido e um pouco lamacento. Foram estas as palavras de quem primeiro entrou. Bom, a segurança acima de tudo. E a entrada foi abortada. Talvez quem sabe num próxima vez…a nossa sorte volta a mudar para pior. O nosso Deus protetor manda uma pequena carga de agua em forma de granizo ou lá que era aquilo. Parecia granizo que mais parecia neve. Retiramos dali. Outros aventureiros tinham acabado de chegar e para eles não havia se… repetia uma vez, outra e outra vez até que as forças me faltassem. E agora que já descobri o seu segredo. Vocês merecem que eu conte o que descobri. Em primeiro lugar quero deixar uma mensagem a um senhor que não me lembro quem é que dizia que tinha visto uma muralha. Na altura desconhecia e disse que não era. Ele tinha razão.
  • -Fada, sabes alguma coisa sobre isto?
  • -sim. O território do Parque Nacional da Peneda Gerês foi objeto de uma antiquíssima ocupação humana desde os tempos proto-históricos até aos nossos dias. Facilmente se descortinam ainda vestígios megalíticos, célticos, romanos e, naturalmente, medievais, atestando contínua e organizada utilização deste espaço.
  • Assim, muito antes de Portugal existir como nação, há pelo menos cinco mil anos, já nesta região viviam muitos povos e as montanhas abrigavam comunidades agro pastoris, construtoras de grandes monumentos funerários como as antas (túmulos cobertos formando mamoas) como as que ainda se podem encontrar nas extensas necrópoles do planalto de Castro Laboreiro, na portela do Mezio, nas chãs da Serra Amarela ou nos altos frios da Mourela, em Montalegre, delimitando espaços sagrados e fronteiras que perduraram por vezes até aos nossos dias.
  • Vestígios da arte dessas gentes remotas têm como melhores exemplos o notável santuário rupestre de Gião ou o Penedo do Encanto da Bouça do Colado, em Parada. Mais tarde, na Idade do Ferro, as comunidades humanas fixaram-se em povoados fortificados. Pontuando a cumeeira dos outeiros ou os esporões de meia encosta, estes castros do norte de Portugal, foram, até a chegada dos romanos, a mais importante referencia na paisagem e na cultura. Nos territórios montanhosos do Parque Nacional, ou nas suas mediações, sítios arqueológicos como a Calcedónia, o Castro de Outeiro ou o Castro de Donões, em Montalegre recordam-nos esses tempos recuados.
  • Naturalmente que neste sábado não percorremos todo este vasto território que abrange o PNPG. Mas, alguma coisa pode usufruir durante a nossa caminhada. Confesso que desconhecia a origem da célebre cidade da Calcedónia.
  • - E mais te digo que todas estas pedras foram classificadas como imóvel de interesse público, em 10 de novembro de 1971. Este decreto publicado alguns meses depois da criação do parque, confirma a importância deste local. Por sua vez o IGESPAR (O Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, I. P., é um Instituto Público português, que "tem por missão, a gestão, a salvaguarda, a conservação e a valorização dos bens que, pelo seu interesse histórico, artístico, paisagístico, científico, social e técnico, integrem o património cultural arquitetónico e arqueológico classificado do País") Dá-lhe a designação de "Ruínas da Calcedónia" e classifica-o na categoria de arqueologia e na tipologia: povoado fortificado. Desta forma se descreve o imóvel de interesse público: Erguido e fruído entre a Idade do Ferro o período romano do atual território português, as “Ruínas da Calcedónia” estão localizadas nas proximidades do complexo termal do Gerês, no cimo de um cabeço granítico, ao qual se acede através de uma fenda situada entre duas lajes de consideráveis dimensões.
  • E, precisamente, nas escarpas limitadas a norte e a oeste desta colina que se encontram os vestígios deste sitio arqueológico. Destes, destaca-se a presença de marcas de uma primitiva muralha erguida com grandes blocos pétreos com uma espessura de cerca de dois metros, atingindo cerca de quatro metros de altura nalguns dos seus lanços. Este sistema de defesa delimita uma ampla área de características irregulares e preenchida com vários penedos.
  • E no interior deste vasto recinto que se presencia vários resquícios de alicerces pertencentes a diversas estruturas de planta retangular construídas com pedra irregular, que apresentam uma espessura aproximada de meio metro e uma área de cinco por oito metros de largura. As escavações arqueológicas empreendidas neste local ao longo da segunda metade da década de quarenta do século passado possibilitaram registar, a superfície, um amplo número de materiais de construção, como fragmentos de tegullae, e de imbrices. Existe ainda diversos vestígios de recipientes cerâmicos lisos. Estes mesmos indícios construtivos foram de igual modo registados em todo o perímetro exterior do povoado." (A Martins).
  • -Então a aquele amontoado de pedras é mais do que isso; é história; é cultura.
  • -Ainda há mais, coisas que não se vêem, uma delas é um túnel que corre sob os nossos pés. As águas represadas pela barragem de Vilarinho da Furna situada no rio Homem, é forçada desde a barragem, por um túnel em carga com 6 800 m de comprimento que atravessa a serra do Gerês, ligando-se de seguida a uma conduta forçada, com 890 m de extensão, que entra na central, indo mover as turbinas situadas em Vilar da Veiga em galeria bifurcada, para alimentar os dois grupos geradores e aumentar depois o caudal da Barragem da Caniçada
  • É mais uma nota de interesse de que me ocorre falar.
  • Tínhamos que continuar o nosso trilho. Agora deixávamos o trilho da cidade da Calcedónia e entrávamos por caminhos existentes no parque usados pelos pastores, nas suas zonas de pastagens. O coração selvagem do parque localiza-se nas terras altas, zona de ásperos maciços graníticos, charnecas varridas pelo vento e planaltos nus, pintados de verde em alguns lugares por gigantescos carvalhos e azevinhos. As serras da Peneda (com 1.340 metros), de Soajo (1.430m), Amarela (1.350m) e do Gerês (1.545m) são a retaguarda gigante desta área protegida.
  • A pé, rodeados pelo cheiro a musgo, fetos e terra húmida e pelo som de água corrente, uma companhia constante na Peneda-Gerês. Aqui chove em mais de cem dias por ano e, nas terras altas, muitas nascentes erguem-se, límpidas e frias, infiltrando-se turfeiras adentro ou escorrendo num caudal progressivamente engrossado por córregos, rios e cascatas.
  • É lindo, todo isto. Deixamos para trás uma visão estonteante dos aglomerados graníticos, para entrar num prado verdejante, de onde se avista uma estrada, que une o Campo do Gerês as Caldas dos Gerês e pela qual podem ser acedidos alguns dos miradouros que ficam sobranceiros a albufeira da caniçada. Para nós este não é o caminho a seguir.
  • Antes de chegarmos a essa estrada que falo ainda ouve uns momentos de descontração, com o nosso maestro, ensaiando odes ao criador. Depois de tal ensaio foi dar graças pelo sol que surgia sobre as nossas cabeças, e que se manteve até final da nossa caminhada.
  • Vamos entrar agora na segunda parte do trilho (assim chamo de segunda parte). Mas antes falo do Parque Nacional da Peneda-Gerês.
  • - Sabes quando é que foi criado o parque?
  • - Decorria os últimos anos do regime conhecido como Estado Novo quando surge a criação do Parque Nacional da Peneda-Gerês (Decreto-Lei 187/71. de 5 de Maio) e no qual visou a realização nesta área montanhosa de um planeamento capaz de valorizar as atividades humanas e os recursos naturais, tendo em vista finalidades educativas, turísticas e científicas.
  • No fundo, tratava-se de conservar solos, águas, a flora e a fauna, assim como preservar a paisagem nesta vasta região montanhosa do noroeste português. As comunidades humanas existentes no PNPG assemelham-se pelas características próprias de regiões de montanha que partilham e distinguem-se pelas especificidades culturais que a história, o isolamento e os diferentes recursos locais lhes conferiram. Naturalmente a agropecuária e a atividade dominante em quase todo o território do PNPG. A agricultura de minifúndio complementa-se com a pastorícia, atividade que constituiu, durante multo tempo, o principal alicerce destas economias de montanha. Embora o seu peso tenha vindo a diminuir, as raças autóctones como a barrosa e a cachena nos bovinos, a cabra bravia nos caprinos e a ovelha bordalesa nos ovinos, são ainda uma importante fonte de rendimento. Destaca-se também o garrano, (é uma raça equídea muito antiga, separada das restantes desde o período Quaternário, que se enquadra num grupo alargado conhecido por Cavalo Ibérico devido às características comuns e à sua origem, nativa do Minho e Trás-os-Montes, em Portugal, utilizada desde há muitos séculos como animal de carga e trabalho. O garrano é uma das três raças equinas autóctones portuguesas, juntamente com o cavalo Lusitano e o cavalo do Sorraia (Maria Portas). Tem origem no norte de Portugal, sendo um cavalo de montanha, daí o seu tamanho. Habita atualmente em estado semisselvagem nas zonas da serra do Gerês, serra de Arga e da serra da Cabreira, tendo em tempos habitado todo o norte de Portugal donde é oriundo. É uma raça protegida devido ao risco de extinção a que esteve sujeito até há pouco tempo. É considerado um cavalo rústico, de montanha e não da planície, e assim seu passo é muito firme sobre terrenos acidentados. Também resulta muito resistente às intempéries e à falta de alimento).
  • A área do parque não é só terras de cultivo ou floresta, existe os baldios ou terras incultas, mantidas em comum e geridas pelas comunidades locais onde a população vai buscar um conjunto de bens essenciais ao processo produtivo e a vida quotidiana: a lenha. É desta forma utilizada a madeira, o mato para a cama dos animais, que depois é utilizado como fertilizante. E também da exploração florestal dos baldios, na sua maioria sob gestão conjunta do PNPG e das populações, que resulta uma receita importante para as Juntas de Freguesia ou Assembleias de Compartes. Essa receita é reinvestida na comunidade.
  • Mas, nem tudo é um mar de rosas no parque. A vida é dura e durante o período de entre as duas grandes guerras havia nas minas da Carris trabalho que fixaram populações de mineiros, hoje muitos já desaparecidos. Findo a grande procura do volfrâmio, as minas entram no abandono e as populações procuram outros locais de trabalho. Os principais centros urbanos ou surgindo como uma alternativa possível para aqueles que não encontram nos animais e na terra o rendimento necessário ao conforto da família: a emigração. E se o ritmo do êxodo rural já não é hoje tão acentuado, ainda são, no entanto, bem visíveis as marcas que décadas de emigração deixaram nestas comunidades: uma população maioritariamente feminina e envelhecida, que procura preservar a sua identidade mantendo a ligação centenária a terra e aos animais, contribuindo, assim, para a continuidade de uma paisagem em que o Homem e a Natureza se integram e que e sem dúvida, um dos aspetos que melhor caracterizam o PNPG.
  • No fundo dos vales, o espaço agrícola retalhado, ora verdejante, ora acastanhado, reflete o ritmo das culturas ao longo do ano; subindo as encostas, surgem as bouças e matos, bem como o pasto e o material para a cama do gado; nas zonas mais altas encontram-se as grandes extensões destinadas ao pastoreio extensivo. Os núcleos populacionais surgem associados as áreas mais aplanadas, com boa exposição solar e próximos das linhas de água. Para além disso, as construções erguem-se sobre os afloramentos rochosos, libertando os solos mais férteis para a atividade agrícola. A paisagem é enriquecida por muros, levadas, calçadas, pontões, espigueiros, fojos, moinhos, abrigos de pastor ou alminhas... Hoje, soma-se a paisagem, grandes planos de água das albufeiras ou novas estradas; uma vez mais, a paisagem constrói-se, não só através da ocorrência de fenómenos naturais, mas também da forma como o homem a transforma e continuará a transformar. As comunidades, quase isoladas no meio hostil da serra, desenvolveram uma atividade de sobrevivência, conseguindo manter até aos nossos dias uma identidade e uma cultura comunitária cuja origem se perde no tempo e que tão bem estava representada na aldeia de Vilarinho da Furna, hoje submersa pela barragem, símbolo dos novos tempos e de novos ritmos.
  • O Gerês não é só isto. Hoje ainda existe testemunhos vivos desses períodos distantes são, também, as brandas e inverneiras, as silhas dos ursos e os fojos de lobos, os arcaicos núcleos rurais e pequenos lugares, dispersos pelas encostas ou encastelados nos montes ou, ainda mais tardios, os espigueiros e as eiras comunitárias, relíquias da introdução da cultura do milho no sec. XVII (caso do Soajo). O PNPG caracteriza-se por ser uma zona em que o relevo fortemente acidentado e os pronunciados declives, bem como os inúmeros afloramentos rochosos, são as marcas dominantes. Trata-se de uma região essencialmente granítica, fortemente fraturada, se bem que se verifica também a presença de uma importante mancha de rochas meta sedimentares (xistos). E uma zona montanhosa, com altitudes que chegam até aos 1545 m, em Nevosa (Serra do Gerês), de fortes declives, onde a presença de diferentes níveis de chãs é frequente.
  • A grande quantidade de vales e corgas e aproveitada pelos rios, dando lugar a uma rede hidrográfica de grande densidade composta por um conjunto de afluentes e subafluentes que correm, de um modo geral, por vales agudos de encostas escarpadas. O coberto vegetal das Serras do Gerês, Amarela, Peneda e Soajo e dos planaltos da Mourela e Castro Laboreiro é dominado por quatro unidades distintas: carvalhais, formações arbustivas (matos), lameiros e vegetação ripícola.
  • Os carvalhais, com grande expressão na área, ocupam parte dos vales dos rios. A descrição destes carvalhais alberga inúmeras riquezas do património. Em altitudes superiores verifica-se a presença de manchas florestais dominadas por carvalho-negral. Os matos dominantes na zona do Parque Nacional da Peneda-Gerês são os tojais. A vegetação ribeirinha merece destaque não só pela componente florista mas Igualmente pelo importante papel que desempenha na estabilização das margens dos cursos de água onde a elevada velocidade da água está associada o forte poder erosivo. Ocorrem nos cursos de água do Parque Nacional da Peneda-Gerês várias plantas consideradas como merecedoras de especial proteção.
  • As condições climatéricas desta área protegida, caracterizada por regimes pluviométricos elevados e amplitudes térmicas moderadas, proporcionam uma grande produtividade primária e permitem a manutenção de variados habitats com uma grande diversidade de espécies animais.
  • Destaca-se de entre outros a mata de Albergaria, prados da Messe, Teixeira e zona da preguiça de entre muitos outros. Pela associação de uma notável riqueza florista com uma fisiografia singular para Portugal, existe no Parque Nacional da Peneda-Gerês um conjunto de habitats naturais que suportam uma diversificada comunidade faunística.
  • Entre os habitats mais característicos do PNPG pode destacar-se: o carvalhal, floresta mista de árvores de folha caduca e de folha persistente, onde podemos encontrar espécies emblemáticas da flora, como o azevinho e a orquídea e da fauna, como o corço, a vibora-de-seoane ou a vibora-cornuda; nos bosques ripícolas, com a presença do teixo, do amieiro, do freixo e do feto-do-gerês, mas também da lontra, do lagarto-de-água, da salamandra-lusitanica ou do sapo-parteiro; nas turfeiras e matos húmidos, habitats raros e vulneráveis que se desenvolvem em solos encharcados, propícios a existência das bolas-de-algodao, da orvalhinha e da pinguicula, ao nível da flora e ao nível da fauna: da Travanca narceja, do pato-real, da salamandra-de-pintas-amarelas ou do tritao-de-ventre-laranja; por fim os matos de substituição, piornais, urzais, carquejais, tojais e giestais, que ocupam antigas áreas de carvalhal, onde podemos encontrar o alho-bravo, a armeria, o lirio-do-gerês, ou o narciso, mas também o lobo Ibérico (espécie estritamente protegida pela Convenção de Berna e considerada em perigo de extinção em Portugal.), a águia-real, o bufo-real ou a cabra montesa. Há ainda a destacar outras espécies como: o Esquilo vermelho (Sciurus vulgaris), espécie cuja distribuição era, até há pouco tempo, marginal e pouco conhecida em Portugal, é uma singularidade da fauna de mamíferos do Parque, apresentando populações em franca expansão geográfica. Salienta-se ainda a ocorrência de espécies com particular importância em termos de conservação da natureza, como a marta (Martes martes), o arminho (Mustela eiminea) e o corço (Capreolus capreolus), emblema do Parque Nacional, encontra-se aqui bem representado, com diversos núcleos populacionais em situação favorável.
  • Foi por estas e por outras que o parque foi criado. Proteger o nosso património quer paisagístico, cultural, florestal e faunístico.
  • Continuando a nossa caminhada que ainda está a meio. Depois da atuação e de aproveitar o tempo para reunir o grupo ou ingerir algum alimento, partimos rumo aos caminhos que nos levavam para as Caldas do Gerês.
  • Entramos no alcatrão, por breves momentos este foi o nosso piso. Esta estrada que faz a ligação do Campo dos Gerês até Caldas dos Gerês, e foi para nós o elo de ligação entre o trilho da calcedónia e o trilho dos miradouros. Percorremos algumas centenas de metros e antes do desvio para a Junceda (sentido Caldas do Gerês - S. João do Campo), viramos a direita numa zona de repouso e entramos num estradão largo. os cabeços da Calcedónia e do tonel fazem agora parte do horizonte que deixamos para trás. Estamos agora no planalto de Lamas. O estradão é largo e todos podem ir juntos como documentam as fotos. Não muito longe do inicio do estradão aparece uma indicação do miradouro da boneca. Confesso que gostava de ir ver, mas isso não estava incluído no nosso trilho foi pena. Depois de andar a investigar e a procura de fotos do dito cujo, fiquei com mais pena. O miradouro da Boneca esta localizado no Gerês - Vilar da Veiga, é uma janela aberta para admirar a imensidão paisagista deste património natural. Um dos miradouros mais bonitos do Gerês.
  • Continuamos a nossa caminhada. O trilho desenvolve-se numa paisagem florestal e numa zona mais aberta de matos. E no virar do caminho em Lamas aparece a casa florestal.
  • A Casa de Lamas. Esta casa está situada junto de um estradão florestal, está situada a uma altitude de 751 metros. Não muito longe dali fica também a casa da Junceda, que pertence a freguesia de S. João do Campo (Campo do Gerês).
  • - Hello! Está ai alguém?
  • - Diz fada.
  • -Sabias que na área do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) existem cerca de 30 casas florestais construídos nos tempos dos Serviços Florestais e que serviram de residência aos antigos guardas florestais responsáveis por determinadas áreas no perímetro florestal das quatro serras que compõem o PNPG.
  • As antigas Casas do Guarda (Casas da Floresta, Casas Abrigo ou Casas Florestais) dentro do território do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Representam um património perdido (em alguns casos para sempre) e totalmente desperdiçado que nas mãos das populações, associações locais ou outras, poderiam constituir uma mais-valia para a região. Quem governa decidiu que era melhor deixá-las como «belas» ruínas...Não sei, como se desenrolou o processo de abandono destas casas não só no PNPG como em todo o país. O que é certo é que existe um valioso património que foi deixado ao abandono e somente uma pequena percentagem terá sido reaproveitada. O que se encontra no território do PNPG é o reflexo do abandono de um património que já não nos espanta. Sem dúvida havendo muitos interessados na recuperação das casas, surgirão sempre os habituais interesses pessoais, corporativos ou outros para impedir que um património se perca para sempre. Em muitos dos casos já não haverá recuperação possível.
  • A casa de Lamas, está em estado de pré-ruína. Vandalizadas as portas e as janelas, vandalizada pelos muitos utilizadores que destruíram paredes, arrancaram o soalho, é agora abrigo dos garranos nas noites mais frias ou do Sol inclemente do verão. As paredes estão pintadas de tags e graffitis, sendo testemunha de que muitos dos grupos que caminham na montanha não terão o respeito que devem pelo património e por dedução pela Natureza por onde caminham. O mesmo acontece com o anexo que sem portas já serviu a abrigo a muitos animais...Penso que com um forte investimento seria uma casa recuperável pois a parede exterior parece estar em bom estado. – Sabes fada penso que hoje mais do que nunca era altura do regresso dos guardas florestais, como forma de combater o desemprego e prevenção de incêndios. Naturalmente que os incêndios custam muito dinheiro ao estado, muito superior aos custos com a recuperação e pessoal. A par da recuperação deste património a vigilância e até a intimidação resultaria numa diminuição dos riscos de incêndio. A topografia representa um desafio na época de incêndios. Os acessos necessariamente difíceis, as queimadas para controlo dos matos e um regime de propriedade muito diversificado têm contribuído para a elevada área ardida do parque. Neste momento a politica é proibir as pessoas de usufruir destes espaços como forma de prevenção, amanha corta-se as arvores e arbustos para não haver incêndios...bom isso é politica e não tem nada a ver com este trilho.
  • Deixamos uma vez mais um ponto de interesse para trás. Agora o estradão desce, e os relevos bastante acidentados, vertentes íngremes e vales apertados, daí que alguns dos locais no percurso exijam cuidados especiais. O trilho agora localiza-se quase exclusivamente na encosta oeste do vale do Rio Gerês. Os seus limites mais extremos, a Este e a Oeste, são respetivamente das Caldas do Gerês. Os recentes incêndios deram um novo dono a vegetação.
  • Grande parte da área florestal encontra-se coberta por uma espécie vegetal exótica, sobretudo de mimosa (Acacia dealbata).
  • Por um largo período de tempo os nossos passos pisaram um estradão de terra batida, que foi modelada pelas chuvas. Em alguns pontos do caminho a erosão mostra o seu trabalho. Houve um pedaço de estradão, mesmo antes de chegarmos a estrada que foi realmente amigo dos “joelhos”. A forte inclinação deste pedaço, dispensava com agrado.
  • Entramos novamente no alcatrão que nos levou até ao mirante velho. O Miradouro está a uma altitude 834 metros, é o local perfeito para desfrutar e apreciar um panorama de beleza arrebatadora e empolgante. A albufeira da Barragem da caniçada e as Caldas do Gerês, são dois pontos visíveis na paisagem. Aqui o acesso pode fazer-se por carro, ao contrário de outros pontos onde palmilhar o terreno a pé é o único meio de se lá chegar. Do outro lado do vale, o olhar mais perspicaz pode visualizar o miradouro da Pedra Bela, outro ponto emblemático do parque.
  • Fizéramos uma paragem mais demorada, para refazer as forças, e repor os músculos no seu lugar. Pela frente o cenário não era muito diferente do anterior, a exceção de uma paisagem coberta de rebentos de acácias.
  • Regressamos ao trilho, e lançamo-nos a conquista das Caldas do Gerês. Não que essa conquista fosse material, mas, uma conquista de descanso que era o final da nossa caminhada.
  • Como disse atrás as acácias proliferam nesta parte da serra do geres como uma praga.
  • - Mas, as acácias até têm flores bonitas.
  • - Sim. Uma especialmente bonita é a mimosa, que na floração apresenta inflorescências globulares amarelo-brilhante, como se fossem bonitos cachos amarelos de flores. Como espécies essencialmente australianas, as acácias têm tendência a estarem muito bem adaptadas a climas quente e secos, e com ocorrência regular de fogos – de facto, muitas delas são espécies que podemos designar de pirófitas, ou seja, “amantes do fogo”, espécies para as quais o fogo atua como um estímulo ao crescimento e colonização. Assim se vê que em áreas em que o clima é quente e seco, como no Sul da Europa, as acácias estão muito bem preparadas para competir com as espécies nativas por recursos como espaço, água e nutrientes. O ser humano tem sido um excelente agente dispersor de biodiversidade pelo mundo inteiro, e espécies que antes estavam restritas a uma determinada área podem ser facilmente transportadas para outro lado do mundo. Estas plantas não nativas, que designamos como exóticas, podem até nem causar grandes problemas – de facto, em muitos casos, o novo habitat não tem as condições ideais que a espécie tinha em “casa”. Por vezes, no entanto, a espécie exótica apresenta características biológicas (crescimento rápido, formação de maior número de sementes, alteração das características do meio…) que a tornam um competidor formidável num local onde não é nativa, começando a proliferar – nestes casos estamos perante uma espécie invasora, e o fenómeno designa-se por invasão biológica. No sul da Europa as espécies mais problemáticas são a acácia-negra (A. melanoxylon), a acácia-de-espigas (A. longifolia) e a mimosa (A. dealbata), sendo que esta é no geral a mais problemática delas.
  • Foi no final do séc. XVIII e inícios do séc, XIX que se começaram a importar para a Europa espécimes desta planta, inicialmente por navegadores britânicos e franceses, a principal razão da sua dispersão e aceitação por parte dos europeus foram as suas bonitas flores, embora a madeira também fosse apreciada assim como a sua capacidade para fixar taludes. Os primeiros registos da ocorrência de mimosa em Portugal apontam para a sua fixação como planta ornamental na segunda metade do séc. XIX, como aponta um artigo de 1871 do Jornal de Horticultura Prática acerca da plantação de mimosas no Porto, no qual foi oferecido “um coupon que dava direito aos assinantes a receberem gratuitamente um pacote de semente da Acacia dealbata”.
  • Durante muito tempo continuou-se a ver a mimosa e as outras acácias como espécies de excecional valor económico ou botânico, e embora já se começassem a fazer observações sobre o seu caráter invasor, só em 1937 surgiu a primeira legislação a controlar a plantação de mimosas, embora apenas controlasse distâncias mínimas para terrenos sensíveis (pastos, agrícolas, urbanos, taludes…). Só nas décadas de 1970 e 1980 se começou a olhar para este problema como algo sério, mas nesta altura os principais focos de expansão estavam relacionados não com as plantações, mas com os fogos florestais que permitem a esta e outras acácias colonizarem rapidamente terreno antes ocupado por espécies nativas. Uma vez colonizadas pelas acácias, estas áreas dificilmente voltarão a ter condições para que as espécies nativas de desenvolvam, pois para além de crescerem muito depressa, criam um extenso banco de sementes no solo que permite a rápida re-colonização em caso de perturbações como fogos ou remoção de vegetação, as suas folhas possuem compostos tóxicos que inibem o crescimento de outras plantas quando se acumulam no solo (um fenómeno designado alelopatia), e principalmente alteram bastante a composição química do solo.
  • As características invasoras da acácia fazem com que rapidamente um solo repleto destas plantas fique com uma composição química bastante diferente do original, e que beneficia precisamente as acácias em relação às plantas nativas. Estudos realizados em Espanha e Portugal com solos invadidos por mimosas e solos de carvalhais autóctones (de carvalho-alvarinho, Quercus robur) demonstram as grandes diferenças entre estes dois tipos de terrenos: os solos invadidos por mimosas possuem menos espécies de plantas, maior percentagem de outras espécies exóticas, menos fetos e musgos, são muito mais ricos em azoto e possuem um pH mais ácido. Todas estas alterações nos solos repercutem-se na restante biodiversidade vegetal, e consequentemente na restante biodiversidade, na regulação do ciclo hídrico e todos os outros processos e funções que existem num ecossistema e dos quais também nós retiramos benefícios, os chamados serviços dos ecossistemas. As acácias não são só um problema para as outras plantas e animais, são um problema para nós também. O banco de sementes criado pelas acácias nos nossos solos é tão grande que mesmo que arrancássemos todas as acácias neste preciso momento, teríamos ainda sementes suficientes para que acácias continuassem a brotar por largos anos.
  • -Então os nossos “governantes” não estão isentos de culpas.
  • -Sim. No domínio das florestas públicas, foram também utilizadas em Portugal acácias de origem australiana. Uma das prioridades de intervenção da Administração Geral das Matas, em finais do séc. XIX, foi os sistemas dunares do litoral, fixados com o auxílio de várias espécies de acácia, nomeadamente Acacia longifolia (Andrews) Willd., A. melanoxylon R. Br. e A. saligna (Labill.) H. L. Wendl. (Marchante et al. 2003; Rei 1924). Em áreas montanhosas como a serra do Gerês, a introdução de acácias teve início em 1897-98, prosseguindo pelo menos até 1914, período durante o qual foram plantados mais de 18.000 pés de Acácia melanoxylon e mais de 1.200 pés de A. dealbata (Sousa 1926).
  • Porém, a complexidade e imprevisibilidade dos fatores envolvidos, bem como os elevados custos dos programas de controlo, resultam frequentemente em insucesso, como sucedeu em Portugal no Parque Nacional da Peneda Gerês, onde foi desenvolvido um projeto Life Natureza para controlo da invasão de Acácia dealbata, entre 2000 e 2003, que não atingiu os objetivos pretendidos
  • - Fada, isso é grave.
  • - Houve um alerta dado por um dos moradores mais peculiares do Parque Nacional da Peneda-Gerês: “A Vegetação original da Serra do Gerês está a ser morta pelas mimosas e acácias”. A vegetação original da Serra do Gerês está a desaparecer, para dar lugar à proliferação de acácias – Também conhecidas por ‘austrálias’ – e pelas mimosas. Isto, “sem que os responsáveis do Parque Nacional tomem medidas concretas para travar este flagelo”.
  • O certo é que durante a última parte do nosso trilho, podemos confirmar isso. Uma grande parte do arvoredo por onde passamos era acácia. Até num determinado momento tivemos que fazer equilibrismo sobre umas tombadas pelo vento.
  • Aproximávamos – nos a passos largos para as caldas, e já se podia sentir o ambiente humanizado quando uma cascata (cascata do Zanganho) nos fez atrasar o passo e parar.
  • Era magnífica esta cascata que lançava as águas, do ribeiro de salas, encosta abaixo. Fotos foram tiradas para a posteridade, e assim lembrar-me deste momento que a mãe natureza nos ofereceu.
  • Não muito longe dali o Miradouro do penedo da freira, esperava a nossa visita., conhecido das pessoas do Gerês, mas desconhecido pala a maior parte dos forasteiros que visitam a vila, local de lendas e histórias de amores antigos, é um miradouro na encosta oeste do rio Gerês, muito próximo da vila com o mesmo nome... Encontra se a uma altitude de 410 m a escassos metros cascata do Zaganho. Talvez por ser tão próximo de uma área urbana, este miradouro passe despercebido pela maioria dos turistas e aventureiros que se deslocam até ao Gerês.
  • -Sabes da lenda do penedo da freira?
  • - Muito me contas. Não sabia que existia essa lenda.
  • - Existe uma lenda sobre uma freira do Porto que se apaixonou por um jovem cavaleiro castelhano, e que fugiu para o Gerês, para o Monte do Zanganho, nomeadamente os lugares do Penedo da Freira ou a Cascata do Zanganho. Naquele local, hoje designado Penedo da Freira, existe uma velha lápide cujas inscrições não se conseguem ler (somente utilizando luz rasante) e que supostamente marca o local da velha paixão.
  • Lenda ou verdade é de veras muito interessante.
  • -Fada, já viste aquele carvalho-alvarinho (Quercus robur L.) com um porte majestoso. Seria na sombra deste, que a paixão arrebatadora se consumava?
  • - Bom, já queres saber de mais.
  • Aproveitando a sombra deste magnífico exemplar, fomos deslizando lentamente pelo verde em envoltos em mistério… já as Caldas do Gerês estava a nossos pés quando acordamos do sonho desta paixão.
  • - Fada, sabes algo sobre as termas?
  • - Um pouco. Estão situadas no coração do Parque Nacional da Peneda-Gerês e rodeadas por lagos e montanhas, as termas do Gerês são das mais famosas do país, com uma envolvente paisagística de rara beleza. Conhecida e explorada pelos romanos, esta estância termal foi inicialmente construída no reinado de D. João V, e recebia visitas frequentes de D. Luís I e da rainha D. Maria Pia, acompanhados pelo príncipe D. Carlos e D. Amélia de Orleães. Em 1897 foi demolida, para dar lugar aos novos edifícios e à captação de águas. Um centro termal muito agradável, onde o visitante é convidado a descontrair, ao mesmo tempo que interage com a Natureza.
  • Que raiva ver diante dos meus olhos a cálida água rejuvenescedora e não lhe poder tocar. Sentir a maciez do seu toque … o massajar dos meus sentidos. É muito cruel depois de aproximadamente 12 quilómetros…
  • Antes da viagem de regresso ainda tivemos a oportunidade de serpentear um pouco pelas ruas das Caldas do Gerês, ou simplesmente descansar.
  • Confesso que me agradou mais o trilho da cidade da Calcedónia ou seja a primeira parte. Na segunda parte parecia um “deja vu” de outros trilhos por nós já percorridos. Mas voltava novamente a trilha-lo.
  • - Para onde vais fada?
  • - Vou descansar um pouco aqui nas termas, para quando fores a Amarante eu estar em boa forma para te acompanhar.
  • Agostinho Santos
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