pedramoinhosTrilho Pedras, Moinhos e Aromas de Santiago

  • “hay momentos mágicos y inolvidables, que quedaran grabados para siempre en nuestras memorias. Muchos de esos momentos son de felicidad”. Juan Rafael Prado
  •  
  • É desta forma que Juan Prado fala do que sente e da felicidade quando trilha um caminho. Fala como se o caminho fosse veias que percorrem o seu corpo e o onde o seu sangue fervilha numa mistura de adrenalina, a cada passada que pisa.
  • O nome desta rota por si já é muito sugestivo. Mas, vou separar esta rota em três partes distintas.
  • Atendendo as dificuldades dos trilhos, (fazendo o trabalho de casa) o ANDAR, procura as melhores soluções para cada trilho. Neste caso específico, na primeira parte do mesmo, foram retirados alguns quilómetros ao percurso, que diminuiu consideravelmente o acumulado na subida. Em resumo em vez de começarmos na igreja de Soalhães, começamos na sua filha capela de Santiago. Na parte final de do trilho encaixou o ponto relevante da parte retirada a Capela de S. Clemente. Este pedacinho de trilho, não era menos interessante e bonito do que o restante trilho, apenas foi por opção. Há quem diga que os trilhos na serra são sempre iguais: só pedra e urze. Engana-se, há sempre algo de novo que nos chama atenção.
  • Naquele sábado soalheiro, dia 12 de abril de 2014, partiram para mais um trilho cerca de 35 aventureiros, com a chancela do ANDAR. Este percurso decorre numa zona de montanha, a Serra da Aboboreira, de elevado valor cultural e natural, preservada do progresso urbanístico, por séculos de isolamento geográfico e por subsequente desertificação humana. Aqui as gentes, ancestralmente adaptadas a esse ambiente e vivendo em tradicionais casas graníticas de arquitetura vernácula, ainda cultivam a leira à força braçal e animal, onde podemos assistir à moenda do cereal nos moinhos de água.
  • A partida parece fantástica esta pequena discrição do folheto do percurso. Os dias que correm, há necessidade de muita paz para aliviar a tensão que se vive nos dias de hoje. Tal ambiente, calmo e pouco povoado, vem colmatar essa necessidade.
  • Depois de cruzar uma parte do trilho, o autocarro deixa-nos apeados nos limítrofes de duas elevações, uma das quais tem no topo uma pequena ermida, em honra de S. Tiago. Na outra existem dados arqueológicos que confirmam a existência de um povoamento pré-histórico, com o nome de Castro de S. Tiago, entre os lugares de Quintela e Vinheiros. É precisamente nas proximidades do local onde nos encontramos, e deslocamo-nos em direção à capela a uns escassos duzentos metros. A capela fica junto a um dos itinerários para Santiago de Compostela via usada pelos peregrinos vindos de Lamego, (levando o visitante a meditar a veneração deste apóstolo de Jesus), a capela encontra-se bem conservada, dado que sofreu uma excelente intervenção na década de 1990. Já ao nível artístico não apresenta destaque. O visitante para ter acesso à capela tem que percorrer uma longa escadaria, lembrando-lhe a expiação dos seus pecados e deste modo a salvação para sua alma. Foi um dos lugares a visitar e de onde se pode admirar uma paisagem magnífica, sobre todo o vale e mais ao longe a sede do concelho: Marco de Canaveses. A ermida foi o nosso primeiro ponto de paragem. O local era acolhedor, mas, já era tempo de nos fazermos de novo ao trilho. Desta vez penetramos no dito trilho que os peregrinos utilizavam quando seguiam para Santiago de Compostela, sendo este troço, parte integrante deste percurso. Subia e a paisagem vai-se transformando, agora também num pequeno troço com características de origem romana. O empedrado secular demonstra o uso intensivo de outros tempos. O ambiente era fresco e lembra que quando as plantas se cobrem de folhas, as aves (recém-chegadas) chilreiam alegremente e as flores espalham o seu perfume, apregoando a presença da primavera, toda a natureza rejuvenesce com as suas roupagens verdes e alegres. O caminheiro agradece. Quantos pensamentos atravessam o celebro por detrás de uns olhos que veem uma paisagem deslumbrante? As coisas boas da vida, não têm que serem dispendiosas basta um pouco de imaginação e deixar-se levar pelo momento.
  • Contornamos o lugar de Vinheiros, para embrenharmo-nos numa paisagem ricamente aproveitada a natureza. Neste lugar podemos encontrar as designadas Furnas, que são nada mais do que cavidades artificiais escavadas na rocha, com abertura em arco de volta perfeita e paredes internas arredondadas. A paisagem era magnífica e as fotos foram-se sucedendo de uma forma natural. Os enormes blocos graníticos sustentados por pequenos esteios fazem a delícias dos transeuntes e curiosos. Quase como dizer que nada se desperdiça tudo se aproveita. É uma arrecadação ou um abrigo de animais que se faz encostado a estes enormes rochedos. Esses geo-monumentos, pela desproporção e equilíbrio ameaçador em que se encontram, inclinadas sobre as habitações, parecem querer recordar ao Homem a sua pequenez e o quanto a sua existência está nas mãos do destino.
  • Mais uma vez o prodígio da natureza é fantástico, e o homem soube tirar o máximo proveito dela, neste lugar de Vinheiros. Temos agora oportunidade de percorrer e atravessar um labirinto de caminhos num aglomerado de moinhos de carreira. Sem dúvida muito intimista e interessante. Devagar, deixamo-nos engolir pela paisagem, caminhamos, por trilhos que se conquistam com o olhar, metro a metro. O acesso estreito serpenteia, os moinhos como se os quisessem estrangular. Intimamente ligados por um cordão umbilical bastante húmido e feito de um tronco finamente escavado. Já os tinha visto mas, com pedra. Muito interessante, sem dúvida um dos pontos altos deste trilho. Em redor reina uma vegetação luxuriante que propiciona a existência de nichos ecológicos para variadíssimas espécies da fauna e flora de grande valor natural, que ai encontram refúgio. A sucessão de moinhos surge de uma forma natural. É certo que alguns já tiveram melhores dias, há outros, que apresentam um bom estado de recuperação e de funcionamento. No cimo, há passadiços e moinhos com melhores condições, também o acesso já é mais fácil. De repente somos regurgitados no espaço aberto dos términos deste aglomerado de moinhos. Neste dia o espaço é registado na memória e somos envolvidos por cheiros, sons e imagens que se escrevem em poema. Parece-me que o bom senso está a proteger cada vez mais estas relíquias do passado e estes moinhos não cairão no esquecimento da sombra da história. Em redor a paisagem é salpicada por majestosas fragas com formas finamente arredondadas, lembrando os silenciosos guardiões da serra.
  • Entramos numa zona mais humanizada, onde predominam os campos cultivados, o amanho da terra é visível e as habitações já aparecem com permanecia humana. Os carvalhos sobre o caminho denotam ainda o início da primavera, com as suas características folhas primaveris. Um verde ainda desmaiado que fica quase transparente com a incidência do sol. Depois de Serpenteando por vielas estreitas e construções de outros tempos e absorvendo cheiros e imagens, fomos à procura de um local onde pudéssemos lanchar. No pequeno adro da capela de S. Brás, datada do séc. XVII, serviu como uma grande mesa. Estamos no ponto mais elevado da nossa caminhada, em Almofrela. Depois de acalentarmos o corpo com algum alimento, procuramos a Tasquinha do Fumo. Nome muito sugestivo e que leva muito a letra esse tratamento. É um tasquinho que ainda usa cozinhar no borralho, com o no passado, panela de três pernas nas brasas, pendurado no telhado os enchidos e o fumo os vão curando. Em resumo o nome não é descabido. O café é feito ainda em púcaros que se deixam aquecer nas cinzas, muito interessante, nada de modernismos. Desta forma de não haver modernismos, não estão preparados para receber tão grande movimento de pessoas. A sua localização é privilegiada a quem anda pela serra da Aboboreira e aproveita para almoçar ou lanchar neste local. Nós não tivemos sorte com esse cafezinho como o faziam as nossas avós. Como, um dia, a memória poderá pregar-nos uma partida, decidimos registar, fotograficamente, o espaço e contemplar o espaço envolvente da tasquinha.
  • Uma vez mais temos que regressar ao nosso trilho para perseguimos o nosso caminho, agora na reta final. Depois de largar o espaço humanizado descemos até um bosque com um cenário natural de rara exuberância, no lugar de Senradelas. Deixarmos, para trás, o casario disperso para nos embrenharmos numa paisagem mais rural e de montanha. Entramos no bosque encantado do reino do silêncio. Esta preciosidade que o lugar possuía em abundância era ser encantado. O vento, esvoaçava às folhas que jaziam no chão, onde os tímidos duendes se escondiam, focando os lépidos olhos em nós.
  • O local era excelente para uma paragem mais demorada. Primeiro um moinho perdido no imenso verde depois o caminho bordeado por carvalhos que além da cor ofereciam sombra. No entanto, tudo o que é bom também se acaba e estes momentos de rara beleza e surreais não fogem a regra.
  • Recordando o nome deste trilho, ainda não falei dos aromas. Estou certo que quem fez o trilho se recorda de pequenas duvidas que iam surgindo com alguma plantas que emanava o seu aroma e que por ela fomos seduzidos. Não sei distinguir muito bem as plantas pelas quais passamos, mas, recolhendo informações do trilho posso afirmar que podem ser encontradas algumas Ervas Aromáticas: Alecrim (Rosmarinus officinalis), Rosmaninho (Lavandula sp.) Erva Cidreira (Melissa officinalis ), Hortelã Pimenta (Menta x piperita), Salsa ( Petrosalinum crispum ), Louro (Laurus nobilis), funcho (Foeniculum vulgare), arruda (Ruta graveolens). Podíamos não as ver, mas que estavam lá estavam. Há uma que me chama atenção, arruda, não pela sua beleza e cheiro. A planta inteira é aromática, e suas folhas e frutos podem ser usados como tempero para carnes, peixes, queijos, sopas, saladas e até mesmo para dar sabor a vinhos e outras bebidas alcoólicas, embora seu sabor muito amargo tenha sido mais popular na antiguidade do que em tempos modernos. Seu uso na alimentação, no entanto, quando muito deve se limitar a pequenas quantidades devido a sua toxicidade. Mulheres grávidas, em particular, devem evitar completamente o seu consumo. A arruda também é cultivada para fins medicinais, como planta ornamental e para repelir alguns insetos. A arruda também pode repelir cães, gatos e ratos. No entanto, suas flores amarelas são uma boa fonte de alimento para abelhas.
  • Avançamos lentamente descendo a encosta em direção à capela de S. Bento de Pinhão. As construções de pendor religioso salpicam a paisagem, na mesma que abundam as fragas nuas ou salpicadas por musgos. Dão cor a paisagem e albergam um sem número de seres vivos. Falando agora da fauna que se vê e que não se vê. Na fauna doméstica, há a salientar o gado ovino e caprino, que pastoreiam na encosta da serra. Permitindo fazer o saboroso queijo fresco, assim como o bovino ainda utilizado na agricultura tradicional. Aquela fauna que só o olhar mais atento vê, a salientar: o javali (Sus scrofa) o coelho bravo, a lebre a raposa (Vulpes vulpes) e o gato bravo. Existe um sem numero de aves, várias espécies de Lepidópteros (borboletas), algumas das quais raras e ameaçadas a nível europeu, para além de várias espécies de Coleópteros (escaravelho), para além dos invertebrados.
  • Os moinhos aparecem com bastante facilidade junto a pequenas linhas de água, o que demonstra a abundância de cereal existente e são motivo de orgulho e empenho para manter vivas as memórias de todo um ritual associado ao ciclo do pão. Os caminhos de acesso aos mesmos, certamente seculares espalham-se pela serra. É um desses caminhos ladeados de pedras, cobertas por musgos antigos, que tomamos. O olhar já dá de caras com a capela de S. Clemente. Nascida num terreno elevado do lugar de Telhe, a capela de São Clemente viu durante vários anos a realização da festa em honra do seu padroeiro. No entanto, com o passar do tempo, esta tradição extinguiu-se. Os nossos passos para lá se dirigem, e a sombra da capela foi muito bem-vinda. Uma pequena paragem, para retomar as forças, ou simplesmente descansar a sombra. Apadrinhados pelo S. Clemente, deixamo-nos fotografar, para a posterioridade.
  • Agora passaria a segunda fase. A igreja Matriz de Soalhães, imponente símbolo da freguesia e Monumento Nacional integra o roteiro de duas épocas tão distintas como o Românico e o Barroco, contendo no seu Interior um notável exemplar de pintura em azulejo e talha dourada, assim como um conjunto de caixotões pintados que cobrem o teto. Trata-se de um amplo templo de granito cuja frontaria, enquadrando o portal, romano-gótico, denuncia a época primitiva da sua construção, provavelmente do final do século XIII. Tem como patrono S. Martinho, Bispo de Tours.
  • Uma vez mais é hora de partir. O autocarro encontrava-se a algumas centenas de metros dali, e o percurso foi feito serpenteando algumas ruas de Soalhães. No nosso percurso ainda tivemos a oportunidade de passar junto ao Pelourinho de Soalhães. Símbolo do extinto Concelho, é monumento nacional pelo valor histórico e artístico que ostenta. As surpresas não acabavam aqui. Não menos interessante que as duas partes anteriores, foi a visita que nos foi presenteada a civitas romana de Tongobriga. Já no passado, na rota de Dois rios, dois mosteiros, tinha abordado o assunto ao de leve. Desta vez é mesmo a serio.
  • Falar aqui de Tongobriga, é muito importante para mim, uma vez que sou um interessado na civilização celta e posterior a romana.
  • Houve um facto que despoletou tudo isto. A descoberta em 1882, na borda de um poço da aldeia do Freixo, um bloco granítico, que foi recolhido por Martins Sarmento onde se lê:
  • [G]ENIO/ [T]0NC0BR/ [IJCENSIV[M]/ [FL]AVIVS/ V(otum).S(olvit).A(nimo).L(ibens).M(erito).
  • Após estudos conclui-se que esta inscrição era dedicada ao Genius Tongobrigensium. Deste modo já fazia sentido os escritos do geógrafo Ptolomeu, que fazia referências a esta cidade no século II. Desta forma acrescenta que Tongóbriga tinha um peso regional devido a passagem de vias romanas nas imediações, que estabeleciam a ligação com os principais centros populacionais da então Lusitânia.
  • Tongóbriga revela uma etimologia céltica (estudo da origem e evolução das palavras. neste caso de origem celta) composta pelos elementos tong- (jurar) e -briga (povoado fortificado). A cidade galaico romana está situada no limite do território dos Callaeci Bracari. Na divisão em conventus, Tongobriga integrou aquele que tinha sede em Bracara Augusta (Braga).
  • Esta cidade, cujo auge identificamos na segunda metade do século II, integrava certamente uma política de ordenamento da Tarraconense, particularmente para o noroeste Peninsular e norte da Meseta. Tongobriga ocupava cerca de trinta hectares, englobando também o espaço da necrópole. Em comparação com outras cidades romanas, permite considerá-la de médias dimensões.
  • As escavações da urbe (cidade) iniciaram-se por Lino Tavares Dias em agosto de 1980, num sítio chamado “capela dos mouros”, designação dada pela população local à pequena parte então visível das ruínas romanas.
  • Foi fantástico este sábado. Cheio de cultura e trilhos antigos. Para fazer um verdadeiro trilho, mistura-se muito suor e convívio, junta-se uma pitada de amor e tempera-se com amigos a gosto. Os espaços, os segredos, o silêncio, os cheiros, a alegria, a solidão e a descoberta, coisas que posso partilhar. Outras há que não posso dividir nem contar, porque são impossíveis e não são para partilhar.
  • Tudo isto é a parte boa daquilo que em sorte me coube em ver e contar. Trouxe comigo o que podia para partilhar com os outros. São coisas que se agarram a mim para sempre e cuja memória há de morrer comigo.
  • Fico a espera do próximo.
  •  
  • Agostinho Santos (Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.)
Go to top